sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Texto: SONHANDO COM A TERRA, CONSTRUINDO A CIDADANIA

SONHANDO COM A TERRA, CONSTRUINDO A CIDADANIA
FLÁVIO DOS SANTOS GOMES
TEXTO EXTRAÍDO DO LIVRO: HISTÓRIA DA CIDADANIA

“As coloniozações nas Américas produziram encontros desiguais, fundamentalmente
experiências históricas, envolvendo trocas culturais, dominação, conflitos, protestos e confrontos que
uniram, inventando, Europas, Américas e Áfricas. Dos séculos XV e XIX, navios de várias procedências
cruzaram mares. Levavam e traziam mercadorias, produtos e também ideias e experiências. Num
processo histórico de longa duração, os mundos do trabalho – estrutura e agência humana –
encontraram-se num movimento transatlântico, envolvendo povos e etnias, produzindo identidades das
mais diversas.
Nas Américas, o trabalho compulsório constituiu-se em um fato social – sequer questionado no
início – para o desdobramento da colonização e a produção de riquezas. “Negros da Terra” e “negros da
Guiné” (como era chamada em termos gerais, nos primeiros tempos, a área do tráfico africano), estas
eram, respectivamente, as denominações para as populações indígenas e as populações africanas
utilizadas como escravos. Já no final do século XVI, índios aldeados e africanos trabalhavam juntos
como escravos nas mesmas e péssimas condições nas unidades produtivas açucareiras no Nordeste
colonial.
Ao longo do séculos XVII e XVIII, paulatinamente, escravidão vira sinônimo de escravidão
africana. Fugas, revoltas, epidemias e dizimação de um lado, conflitos entre autoridades, colonos e
setores da Igreja de outro marcam os debates sobre a escravidão dos “negros da terra”. É bom
destacar que a escravidão, fosse ela indígena ou africana, estava totalmente contemplada pelo projeto
escravista cristão. Enquanto isso, há a pressão das economias coloniais por braços escravos e,
fundamentalmente, o negócio lucrativo do tráfico atlântico africano que envolvia, além de comerciantes
europeus, as elites coloniais – aliás, foram estas as que mais lucraram como tráfico e constituíram
sobre a escravidão negra suas riquezas. Assim, cada vez mais homens e mulheres africanos
escravizados desembarcavam nas áreas coloniais. Calcula-se em dez milhões, ou mais, a quantidade
de africanos transportados para as várias regiões das Américas entre os séculos XVI e XIX, tendo o
Brasil recbido 40% destes.
Considerando o fim da escravidão indígena decretado em meados do século XVIII (ainda que
essa liberdade fosse uma ficção, uma vez que as frentes de “civilização” e expansão econômica do
século XIX tinham o “direito” de utilizar o trabalho compulsório dos índios) e a Lei Áurea de 1888, temos
três quartos da história do Brasil com a utilização de trabalho escravo. Essa é uma tarefa a cumprir:
incluir na reflexão histórica sobre o trabalho no Brasil as experiências das populações indígenas,
africanas e de seus descendentes. Via de regra e de forma generalizada, a historiografia acaba
reforçando a perspectiva da “transiçao” - como algo inexorável – do trabalho escravo para o trabalho
livre, recuperando com maior ênfase as experiências dos trabalhadores imigrantes (as numerosas levas
de estrangeiros trazidos para as lavouras datam da segunda metade do século XIX) ou marca
cronológica da Abolição em 1888.
Durante a vigência da escravidão, em muitas regiões, dois terços da população livre era
constituída de negros, mestiços e homens brancos pobres. Em diversas áreas, fizeram greves, motins e
organizaram-se mesmo em sociedades e sindicatos. Podemos citar ainda a resistência (destruição
mesmo) das populações indígenas no aldeamentos missionários no século XVII. Ou movimentos
sociais urbanos, como ocorridos em Salvador, quando escravos urbanos organizados em seus “cantos
de trabalho” (locais reconhecidos e ocupados por trabalhadores escravos para transportes e outras
atividades especializadas do cenário urbano) planejaram rebeliões e mesmo paralisaram o setor de
transporte e abastecimento, insatisfeitos com as mudanças nas leis municipais que regulavam suas
atividades. Nas áreas rurais e nas cidades, escravos, africanos e seus descendentes politizaram o
cotidiano, organizando suas famílias e comunidades.
A despeito da violência da sociedade escravista, os cativos e outros setores sociais (a grande
camada de homens pobres livres, fundamentalmente composta por negros e mestiços) constituíram-se
como sujeitos de suas próprias histórias. As lutas contemporâneas nas cidades (por melhores
condições de vida, moradia e ocupação) e aquelas nas áreas rurais (os trabalhadores sem-terra e as
comunidades camponesas negras – remanescentes de quilombos) representam o desdobramento
desse processo histórico contra a exclusão social.
QUILOMBOS INVENTANDO A LIBERDADE.
Dentre as várias e complexas experências históricas de protesto e agenciamento político nas
sociedades escravistas destaca-se a formação das comunidades de fugitivos. Assim foi na Venezuela
com os cumbes, na Colômbia com os palenques; no Caribe inglês e EUA com os marrons; no Caribe
Francês com a marronage em em Cuba com os cimaroons. No Brasil, desde o período colonial, tais
comunidades de fugitivos escravos receberam as denominações de quilombos e/ ou mocambos.
A palavra quilombo/ mocambo para a maioria das línguas bantu da África Central e Centro-
Ocidental quer dizer “acampamento”. Em regiões africanas centro-ocidentais no séculos XVII e XVIII, a
palavra kilombo significava também o ritual de iniciação da sociedade militar dos guerreiros dos povos
imbangalas (também conhecidos como jagas). Os imbangalas eram povos falantes do kimbundu do
Nordeste de Angola. Sua expansão no interior angolano – terra dos umbundu – iniciou-se no século
XVI, e eles, como estratégia política, social e militar, tinham a prática de incorporar os habitantes das
regiões conquistadas ao seu povo, por meio de um ritual. Havia ainda outros processos históricos em
torno dos quilombos africanos. Embora não existam pesquisas sistemáticas nessa direção, sugere-se a
existência de uma cultura escrava e a recriação de alguns significados desse ritual africano (kilombo),
entre os cativos no Brasil, no sentido de que, ao fugir para quilombos, escravos reorganizavam-se
numa comunidade de africanos originários de regiões diversas e também de crioulos (como eram
denominados em termos de classificação racial os esravos nascidos no Brasil, portanto descendentes
dos africanos). É possível, portanto, estabelecer nexos entre os significados do kilombo na África
Central e as experiências históricas dos quilombos brasileiros.
Em termos de historiografia e literatura antropológica brasileira, as imagens sobre os quilombos
apareceram sob vários formatos. Podemos dividi-las em dois principais tipos:
A visão “culturalista”, vigente sobretudo entre os anos de 1930 e 1950, pensou os quilombos
como tão somente uma resistência cultural. Escravos fugiam, organizando quilombos para resistir
culturalmente ao processo de opressão. Nesta visão – influenciada pelos chamados estudos afrobrasileiros
– era somente nos quilombos que os africanos e seus descedentes poderiam manter e/ou
preservar supostas identidades étnicas africanas cristalizadas. A ideia de África era apresentada numa
perspectiva romanizada, homogênea ou essencializada. Em contextos diferentes, autores como Nina
Rodrigues, Artur Ramos, Edison Carneiro e Roger Batiste argumentaram neste direção.
Já a visão “materialista” teve força nos anos 1960 e 1970, com críticas formuladas às teses da
suposta benevolência da escravidão brasileira propostas pelo sociólogo Gilberto Freyre. Devido aos
castigos e maus tratos, escravos resistiriam à opressão senhorial fugindo para os quilombos. Estas
visões surgiram – também em diferentes contextos – nos textos de Clóvis Moura, Luís Luna, Alípio
Goulart e Décio Freitas.
Embora a obra clássica de Clóvis Moura tenha sido um marco nos estudos sobre protesto negro
no Brasil, as perspectivas que denominamos “culturalista” e aquela “materialista” acabariam produzindo
uma ideia da “marginalização” dos quilombos. Seriam mundos isolados – ora de uma resistência
cultural, ora de luta de classes sob o escravismo. Tais imagens de isolamento e/ou essencialismos
culturais – muitas das quais ainda vigentes sobre as populações indígenas – continuam tendo
ressonância nos dias atuais, quando são pensadas as comunidades remanescentes de quilombos.
No Brasil temos notícias da formação de comunidades de escravos fugidos e africanos no
Recôncavo da Bahia e na Capitania de Pernambuco – áreas iniciais de concentração de africanos
escravizados – desde meados do século XVI. As primeiras notícias do Quilombo dos Palmares, uma
das mais importantes comunidades de africanos fugidos das Américas, surgem nas últimas décadas do
século XVI.
Ali, durante mais de cem anos (os primeiros documentos de Palmares datam de 1585 e ainda em
1740 falava-se de escaramuças para capturar quilombolas remanescentes da Serra da Barriga),
milhares de africanos e seus descendentes (nascidos, inclusive, em Palmares) constituíram inúmeras
comunidades articuladas, reinventando culturas, identidades e estratégias para manter autonomia. Os
palmarinos resistiram a inúmeras expedições punitivas oficiais enviadas por portugueses e holandeses
(durante a ocupação destes no Nordeste em meados do século XVII) e também expedições preparadas
por fazendeiros locais, que cada vez mais se sentiam prejudicados, tanto devido à frequencia das fugas
de seus escravos como os ataques às suas propriedades. Os palmarinos – liderados por Ganga-Zumba
e depois por Zumbi – tinham uma complexa organização econômica, militar e política. Com dificuldade
para destruir tais comunidades, as autoridades coloniais chegaram a propor-lhes tratados de paz, que
reconheciam a autonomia dos quilombolas em troca de lealdade à Coroa, liberdade somente para os
negros nascidos em Palmares e a devolução de outros fugitivos. Inicialmente aceito em 1678, esse
acordo foi posteriormente rechaçado pelos próprios quilombolas e principalmente sabotado por
fazendeiros e negociantes interessados nas terras ocupadas pelos quilombolas. Palmares foi
considerado destruído em 1695, depois de investidas maciças de forças repressoras especialmente
contratadas, com bandeirantes e a utilização de canhões para derrubar as paliçadas que os
quilombolas tinham construído.
Para além de Palmares e toda a sua tradição de liberdade que atravessou do final do século XVI
até o primeiro quartel do século XVIII, outras tradições de formação de comunidades de escravos
fugidos surgiram em contextos diferentes do Brasil Colonial. Assim como Palmares – e ao mesmo
tempo - , assustaram sobremaneira as autoridades metropolitanas e coloniais. A memória de Palmares,
além de ficar gravada na mente de autoridades e senhores na virada dos setecentos, propiciou
mudanças na legislação escravista para a repressão de quilombos e fugitivos. Outros Palmares não
poderiam aparecer. De qualquer modo, se na mente estava Palmares, com os seus olhos as
autoridades e senhores viam cada vez mais, em todas as partes do Brasil, mocambos se
estabelecerem. Surgiriam grandes quilombos nas Capitanias de Minas Gerais e Mato Grosso no século
XVIII, assim como centenas de pequenos e médios quilombos em diversas outras áreas coloniais,
espaços de fronteiras, atravessando o século XIX.
A LUTA PELA TERRA
Os quilombos tão-somente abordados na perspectiva de protesto contra a escravidão podem ser
analisados no contexto da formação de micro-sociedades camponesas. Desde o século XVII –
ganhando força nos séculos XVIII e XIX – constituiu-se um campesinato no Brasil. Suas origens eram
os próprios quilombos (independente de tamanho, com suas especificidades regionais e articulações
econômicas locais); as comunidades de fugitivos de índios aldeados (refugiados de aldeamentos
religiosos e leigos, que se redefiniam etnicamente); as comunidades camponesas formadas por setores
sociais de homens livres pobres “marginalizados” e/ ou “desclassificados” (denominamos a população
livre pobre fora do controle privado nos mundos coloniais), como os desertores militares; as atividades
econômicas de roceiros (gestadas a partir das economias próprias dos escravos, qual seja o tempo e
roças destinadas aos escravos por seus próprios senhores para que garantissem seu próprio sustento e
gestação de setores camponeses de lavradores pobres – homens livres – nas áreas não voltadas para
a agro-exportação e/ou nas franjas das áreas econômicas de fronteiras abertas).
Considerando o final do século XVIII e o século XIX, articulados a essas fromações camponesas,
podemos também mencionar: proprietários de terras sem escravos, proprietários “pardos” de terras e
escravos, algumas colônias de imigrantes europeus e também trabalhadores imigrantes que fugiam das
grandes lavouras cafeeiras e procuravam se estabalecer na segunda metade do século XIX.
Todas essas possibilidades envolvendo a formação de comunidades camponesas ao longo do
Brasil escravista, e durante a pós-emancipação, não foram isoladas em termos econômicos e sociais.
Sem limites e entre “fronteiras econômicas” e “fronteiras demográficas”, esses setores camponeses –
na medida do possível – articulavam-se com o restante da sociedade envolvente. Como maior exemplo,
temos, em diversas regiões, a produção de alimentos, destacando-se a importância da produção de
farinha de mandioca entre comunidades camponesas. Também diversos produtos, como mel, lenha,
drogas do sertão, gado e outros que complementavam as economias envolventes. Muitos desses
camponeses negros e mestiços, além de cultivar suas próprias terras e com seus produtos excedentes
acessarem mercados locais, acabavam se transformando em trabalhadores rurais para outros
proprietários.
Na complexidade histórica desse campesinato no Brasil vemos ainda, entre outras coisas, o
surgimento de culturas do mundo rural. Em várias regiões coloniais brasileiras, fugitivos e quilombolas –
organizados ou não, em pequenos e grandes grupos – inventavam suas próprias liberdades. Isso
acontecia tanto em regiões que começavam a desenvolver suas lavouras de açúcar, de alimentos e
ciração de gado com naquelas já importantes na produção açucareira. Mesmo os casos de
ionteriorizaçao dos grupos quilombolas não significaram isolamento. Continuariam articulados – na
medida do possível – com outros setores sociais e a sociedade envolvente. Quilombolas modificariam e
seriam modificados pelos cenários sociais, econômicos, demográficos e culturais nessas variadas
regiões.
Do ponto de vista socioeconômico, estas relações sociais mantidas pelos quilombolas
articularam alguns grupos ao mercado de abastecimento de alimentos e comércio clandestino. A
frequencia, volume, periodicidade, continuidade e importância dessas relações dependeram dos
contextos específicos de algumas áreas e das estratégias dos grupos quilombolas que nelas se
estabeleceram. Diversos fatores econômicos geográficos e demográficos tiveram impacto sobre as
formações de grupos de fugitivos. As estratégias dos quilombolas para manter sua autonomia
relacionavam-se a contextos geográficos e socioeconômicos diversos.
O impacto do tráfico afrianco, por exemplo, pode ter refletido num aumento do índice de fugas e
na formação de novos mocambos em determinadas áreas. Os tipos de atividades econômicas, a
estrutura de posse dos cativos, assim como percentual de população escrava de origem africana pode
ter determinado, em alguma medida, os padrões dos grupos quilombolas em diversas regiões em
termos de volume da população dos mocambos, estratégias socioeconômicas etc. Fatores econômicos
podem ter influenciado não só as estratégias dos quiolombolas, com também as práticas repressivas. A
propósito, é interessante notar que é justamente em meados do século XVIII, quando aumenta
axorbitantemente o preço dos escravos (o preço médio subiu de 25 mil-réis para 150 mil-réis), que as
autoridades coloniais da Capitania da Bahia fazem recrudescer as medidas antimocambos.
É possível analisar as estratégias de manuntenção de autonomia dos grupos de escravos
fugidos a partir da perspectiva ds mesmos de forjarem grupos de camponeses, tentando integrar suas
atividades econômicas não só com as comunidades de senzalas próximas, como também junto a
pequenos lavradores, homens livres pobres, vendeiros etc., enfim, à economia de abastecimento. O
historiador americano Stuart Schwartz destacou o crescimento da economia interna no Brasil do final do
período colonial. Schwartz ressaltou, com relação à Capitania da Bahia, as tensões sociais e
econômicas entre os setores da produção de alimentos e a agricultura exportadora. Ainda que
houvesse ordens reais. Determionando o cultivo de alimentos (principalmente mandioca), juntamente
com a cana-de-açúcar, visando o abastecimento de Salvador, os fazendeiros do Reconcavo sempre
mostraram-se resistentes.
Na perspectiva da formação de comunidades camponesas pode-se pensar na constituição de
quiolombos e as suas articulações socioeconômicas pontuais, com circuitos de abastecimento de
alimentos e vários outros produtos em diversas áreas. Feijão, milho, mandioca e outros excedentes
produzidos em alguns mocambos podiam tanto ser trocados com os escravos nas senzalas, com
taberneiros, como serem enviados para os mercados locais por intermediários comerciais. Tal
perspectiva pode ter proporcionado transformações essenciais nas relações entre senhores e escravos,
uma vez que os mundos criados pelos quilombolas interagiam cada vez mais com aqueles que
permanceram escravos.
Embora com tentativas frustadas, foram vários os momentos em que os escravos tentaram
conquistar compensações dentro da própria escravidão. Tratava-se de uma perspectiva de garantir
margens de autonomia, acesso à terra e ao controle sobre suas vidas e comunidades. No Brasil do
século XVIII, destaca-se o conhecido episódio de protesto escravo do engenho de Santana, em Ilhéus,
na Capitania da Bahia. Em 1789, um grupo de escravos enviou um tratado ao então proprietário do
engenho, em que procuravam colocar termos às condições de tabalho, reivindicando, entre outras
coisas, margens de autonomia para não só cultivarem suas roças, mas também comerciarem os
produtos delas provenientes no mercado local. Este documento foi objeto de polêmicas e controvérsias
teóricas e metodológicas entre diversos historiadores em torno da relação resistência/ acomodação
escrava e das atividades econômicas próprias dos cativos no sistema escravista, outros procuraram
apenas ressaltar o caráter atípico que envolveu esse episódio com os escravos do referido engenho,
uma ex-propriedade dos jesuítas confiscada pela Coroa Portuguesa em 1759.
Em 1789, o engenho pertencia a Manuel da Silva Ferreira e contava com cerca de trezentos
escravos. Nessa ocasião os cativos se rebelaram, mataram o mestre de açúcar e se refugiaram nas
matas circunvizinhas quando enviaram o “tratado de paz” ao referido senhor, esse “tratado”, entre
outras coisas, estipulava dispensa de dias semanais (sexta-feira e sábado) para cultivarem seus lotes
de terras; cessão de redes e canoas para que pudessem pescar, direito de embarcarem os produtos
provenientes de suas roças juntamente com os do fazendeiro quando do envio para o mercado, para
não pagarem fretes de barcas; substituição imediata dos feitores e eleição de outros com a aprovação
deles, escravos; autonomia para realizarem suas festas e batuques sem a necessidade de autorização
prévia, e outros itens que procuravam regular, segundo os seus interesses, o rítmo e o tempo do
trabalho diário. Esses escravos, constituídos em comunidade, certamente procuravam preservar (e
alargar) espaços de autonomia que provavelmente tinham conquistado desde os tempos da
administração jesuítica.
Os escravos do engenho Santana tiveram, entretanto, como resposta ao tratado que
apresentaram a seu senhor, uma traiçoeira e implacável repressão em 1790, sendo o seu principal líder,
o escravo crioulo Gregório luis, enviado preso para a Cadeia de Salvador, onde, em 1806, ainda
permanecia, aguardando julgamento. Porém, algumas décadas depois, em 1821, aquela comunidade
escrava (provavelmente muitos deles descendentes dos cativos de 1789-90) revinventou sua tradição
de luta pela liberdade, ocupando o referido engenho de Santana por três anos, ou seja, até 1824. Ainda
em 1828, os escravos tentariam um novo levante, pois muitos deles se tinham aquilombado.
O relato da expedição contra seus quilombos, em 1828, mostra de forma inequívoca que esses
escravos do engenho de Santana e possivelmente outros que haviam fugigo de engenhos vizinhos
tinham constituído uma considerável economia camponesa no interior da floresta, produzindo muitos
alimentos.
Um dos aspectos fundamentais do protesto por meio das comunidades de fugitivos em várias
partes das Américas foi a tentativa, por parte dos cativo, de forjar uma comunidade camponesa
independente. De modo geral, os quilombolas no Brasil procuravam estabelecer-se não muito distante
de locais onde pudessem realizar trocas mercantis diversas. Frequentemente, os quilombos
desenvolveram prátcias econômicas integradas à economia local e relações sociais complexas que
podiam contar com a participação de vários setores sociais envolventes – taberneiros, por exemplo – d
e uma determinadas região. Uma outra característica fundamental seria a paulatina integração das
práticas camponesas dos quilombolas com as atividades agrícolas realizadas pelos escravos nas
parcelas de terras e tempo a eles destinados por seus senhores.
ÍNDIOS E RELAÇÕES INTERÉTNICAS: EXPERENCIAS QUILOMBOLAS
Não raras vezes, no Brasil, existiram relações interétnicas, envolvendo populações indígenas e
populações escravas africanas e seus descendentes. Como em varias regiões do Brasil, assim como
das Américas - para alem dos conflitos e confrontos – escravos fugindo aliaram-se a grupos indígenas,
formando inclusive, pequenas comunidades.
A historiadora americana Mary Karasch, que concentra seus estudos no Brasil dos séculos XVII e
XIX, apresentou pesquisa original sobre os contatos interétnicos de negros e índios, envolvendo os
quilombos. Os grupos indígenas xavantes, e caiapó, na Capitania de Goiás, eram inicialmente inimigos
dos quilombos, porém, 1760, os xavantes juntaram-se aos quilombos, havendo miscigenação de
negros fugidos com mulheres indígenas.
No Grão-Pará setecentista, fugitivos negros, índios e desertores uniram-se confundindo as
autoridades coloniais e inventando outras fronteiras. Já, Maranhão, principalmente na região de
Turiaçu-Gurupi, no século XIX, seculares mocambos de negros e diferentes grupos indígenas
disputavam entre si, com autoridades seus espaços de liberdade. Em várias ocasiões, tropas de
indígenas foram preparadas para invadir quilombos. Em muitas situações, os mocombos só eram
localizados a partir da utilização de indígenas como guias. Havia muitos conflitos envolvendo tribos
indígenas, escravos e quilombolas. Mas havia, igualmente, solidariedade. A existência de tribos
indígenas hostis possivelmente acabou ao mesmo tempo ajudando e dificultando o estabelecimento de
alguns grupos quilombolas. Por um outro lado, é fato que nas áreas ocupadas por tribos consideras
hostis, quilombolas buscavam proteção, posto que ali a penetração de capitães do-mato e de
expedições punitivas tornava-se mais difícil. De outro modo, muitas tribos indígenas podem ter
percebido o quanto a existência de macombos próximos aos locais em que estavam estabelecidas
atraia a ira das autoridades coloniais. Destruir macombos e perseguir indígenas era muitas vezes o
único objetivo das expedições punitivas que adentravam as matas. Podem, inclusive, ter havido
retaliações diretas de indígenas contra quilombolas, e vice-versa, que nunca apareceram na
documentação. Essa possibilidade pode ser explicada pelo uso frequente de índios nas medidas
antimocambos, tanto na Capitania da Bahia como no Rio de Janeiro, São Paulo e Grão-Pará. A
propósito, Palmares foi repetidas vezes atacado por indígenas.
As autoridades sabiam que era difícil chegar até os quilombolas. Não só permaneciam bem
protegidos por serras e mangues de difícil acesso, como utilizavam, via de regra, a estratégia de não
enfrentar diretamente as forças militares. Optavam por rapidamente se refugiar, preparar armadilhas na
floresta ou atacar as tropas de surpresa. Nesse sentido, invariavelmente expedições punitivas se
constituíam em previsíveis fracassos.
Reunir tropa e preparar uma diligência para bater mocambos não era algo fácil. Principalmente era
necessário conseguir recursos tanto para custear os mantimentos destinados à tropa como para pagar
os soldados e oficiais. Muitas diligências levavam meses no interior das matas. Eram vários os
senhores e mesmo câmaras municipais que se negavam arcar com tais custos. Outro problema dizia
respeito à mobilização de tropas suficientes. Os destacamentos militares locais – tropas auxiliares –
eram diminutos. Outros de maior efetivo – no caso, tropas regulares – estavam distantes. Além do
problema de falta de armamento e munição, havia o perigo das deserções, desordens e motins por
parte dos soldados.
PRODUZINDO LIBERDADE
A partir do que temos denominado de “campo negro”, economia de alguns quilombos podia ser
complexa, possuindo variadas dimensões históricas, tanto para os quilombolas como para os escravos.
Nesse sentido o mundo dos quilombolas podia ter afetado, modificado e reestruturado o mundo dos que
permaneceram escravos.
Sem generalização, é possível afirmar que, em muitas regiões brasileiras, alguns quilombos
foram quase reconhecidos como comunidades de camponeses independentes. Os quilombolas de
Iguaçu – próximos à Corte do Rio de Janeiro – participaram do comércio de lenha daquela região ao
longo de quase todo século XIX. Por meio de negócios com taberneiros e vendeiros locais, relações
com escravos das fazendas circunvizinhas e até mesmo com escravos remadores das embarcações
que navegavam nos rios que banhavam aquela área, esses quilombolas faziam com que seus
produtos, no caso, principalmente a lenha, chegassem, inclusive, até a Corte. Na Província do Pará
outro exemplo de tradição de formação de comunidades de fugitivos desde meados do século XVIII, os
quilombolas mantinham relações comerciais com fazendeiros, vendeiros, escravos e mesmo com
grupos indígenas locais.
Os habitantes dos quilombolas do rio Trombetas possuíam, além de mandioca, uma considerável
plantação de fumo. O tabaco produzido por eles era considerado o de melhor qualidade. Contando com
o apoio dos escravos da região, esses quilombolas vinham com suas próprias canoas até o porto de
Óbidos, trazendo cacau, salsaparilha e outros produtos. Muitas dessas negociações eram feitas
durantes a noite, pois os fugitivos e os comerciantes temiam os “agentes do fisco” e os capitães-domato.
Também esses quilombolas atravessavam a fronteira e entretinham negócios com comerciantes
holandeses da Guiana, que lhes forneciam armas e ferramentas em troca de seus produtos. Suas redes
de comércio estendiam-se até os agrupamentos indígenas circunvizinhos. Os quilombolas dessa região
cultivavam permanentes relações com os escravos das fazendas vizinhas, e por certo integravam cada
vez mais suas atividades econômicas próprias com as comunidades das senzalas. Tal integração pode
ter sido reconhecida informalmente por alguns fazendeiros em várias regiões. Alguns senhores talves
percebessem e/ou efetuassem trocas mercantis com os quilombolas locais podia desgostá-los e
motivá-los a fugir definitivamente para o quilombolas.
Havia ainda inúmeros quilombolas que se dedicavam à mineração, tanto nas Minas Gerais
colonial como em área de Goiás, Mato Grosso e fronteiras do Maranhão. Próximos aos centros urbanos
– destacadamente em Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Luis oitocentistas – surgiam
vários quilombos, articulando-se tanto com cativos da cidade, tramando conspirações, como
abastecendo de alimentos e produtos taberneiros. Também em vários contextos, os quilombolas se
articularam com lutas e movimentos sociais locais, ampliando os sentidos políticos das suas próprias
lutas.
Os conteúdos e as peculiaridades políticas que algumas formas aquilombamentos adquiriram
nas últimas décadas da escravidão podem, sem dúvida, ter sido reflexo das transformações históricas
ocorridas em torno da constituição e manutenção das comunidades de fugitivos e a respostas dos que
permaneciam cativos. Com estratégias de autonomia diferenciadas, mas que poderiam ser
compartilhadas e estendidas, escravos e quilombos tentaram conquistar margens autônomas de
acesso, controle e utilização da terra, desenvolvimento de pequeno comércio e até mesmo de uma
microeconomia monetária. Nese sentido, podia tratar-se não só de conquistar, mas também de
preservar espaços dentro dos mundos da escravidão.
Nas últimas décadas da escravidão, o protesto escravo sob a forma de aquilombamento
significou um movimento de ocupação de terras. Nas províncias do Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de
Janeiro e São Paulo, entre outras, registram-se episódios de grupos de escravos que permaneceram
vários anos aquilombados – nas terras da própria fazenda ou em aŕeas vizinhas antes de decidirem,
sob repressão e intimidação, retornar ao cativeiro. Quilombolas e os cativos assenzalados e eles
articulados, tentaram lutar, ainda que de formas diferentes, para estabelecer variados espaços de
autonomia, que podiam ir desde a preservação de atividades econômicas independentes até as
redefinições das políticas de domínio senhorial.
A INVENÇÃO DE COMUNIDADES NEGRAS RURAIS.
A partir das variadas experiências da escravidão de formação de quiolombos no Brasil ao longo
dos séculos XVII, XVIII e XIX, consideramos que quilombos tenham cada vez mais procurado forjar
significados compartilhados de liberdade em seus protestos. Isso de maneira alguma significa afirmar
que na últimas décadas da escravidão, os cativos, ao invés de se aquilombarem nos moldes
tradicionais, ou seja, fugirem para as florestas com o objetivo de organizarem comunidades
independentes, apenas optaram por se refugiar no interior das fazendas de seus senhores,
reivindicando espaços autônomos dentro da escravidão. Experiências tradicionais de aquilombamento
puderam ser reelaborados pelos cativos naquela ocasião de transformções e crise do sistema
escravista, adquirindo assim variados conteúdos políticos.
Deste modo, a luta pela manutenção das comunidades de fugitivos frente às tentativas de
reescravização tinha uma lógica própria para os quilombolas, assim como a resistência em torno de
preservação de margens de autonomia conquistadas frente às investidas senhoriais a tinha para os que
continuavam cativos. É fato que algumas análises historiográficas, tendo como referência, por certo, os
quilombos de Palmares e outros grandes quilombos brasileiros nos séculos XVII e XVIII, não
reconheceram a importância – e fundamentalmente as transformações e novos conteúdos políticos –
das formas de aquilombamento desde a segunda metade do século XIX até a Abolição. A conclusão de
que a luta dos quilombos no Brasil, apesar de existir, não ameaçou os sistema escravista, pois os
quilombolas não necessariamente questionavam a existência de escravidão, uma vez que se
internavam em matas distantes somente a procura de abrigo e proteção, pouco ou nenhum sentido faz.
Importa perceber nas variadas formas de protestos dos quilombolas, não o seu caráter teológico, no
caso negativo para essa matriz historiográfica determinista, mas sim, os principais aspectos em torno
da reconstrução cotidiana de seus espaços de lutas e a complexidade das relações sociais por ele
forjadas.
No Brasil, especialmente no século XIX, o protesto social dos escravos sob a forma de
aquilombamento ampliava seus significados. Coexistiram assim formas diversas de quilombos: aqueles
que procuravam constituir comunidades independentes com atividades camponesas integradas à
economia local; o aquilombamento caracterizado pelo protesto reivindicatório dos escravos para com
seus senhores e os pequenos grupos de quilombolas que se dedicavam razias e assaltos às fazendas
próximas. Esses tipos de aquilombamentos, embora diferentes, podiam possuir significados
semelhantes tanto para os quilombolas como para os que permaneciam cativos. Havia os quilombos
que mantinham suas comunidades e conseguiam reproduzir-se num mesmo local, apesar das
constantes expedições reescravizadoras. Além dos produtos cultivados para sua subsistência, elas
produziam excedentes, os quais negociavam, e mantinham trocas mercantis com vendeiros locais.
Ainda durante a escravidão e avançando o século XX, muitos quilombolas eram quase reconhecidos
como pequenos camponeses, pois iam frequentementee com a maior liberdade aos povoados
circunvizinhos comerciar seus produtos, comprar pólvora e munição, e alguns deles até trabalhavam
por vezes para fazendeiros locais em troca de proteção, dinheiro e mantimentos. Seus mocambos, ao
que parece, situavam-se em terras devolutas. Existiam também grupos quilombolas nos itinerantes, que
migravam constantemente e possuíam vários acampamentos provisórios para facilitar trocas mercantis.
Quanto aos aquilombamentos que se caracterizavam como formas de protestos reivindicatórios,
eram, na maior parte, constituídos por escravos pertencentes a uma mesma localidade e/ou fazendas,
sendo, na maioria das vezes, cativos de propriedades de um mesmo fazendeiro. Eles procuravam
manter-se aquilombados no interior das terras do seu próprio senhor. Com tais protestos, que podiam
durar alguns meses e até anos, estes escravos aquilombados procuram reivindicar variados espaços
autonômicos. Não raras vezes aceitavam voltar à situação de cativos, com a condição de verem suas
exigências atendidas. Contavam com o apoio de vários escravos, sejam os pertencentes ao seu próprio
senhor ou os de fazendas vinhas. Além disso, em algumas ocasiões, eram protegidos por fazendeiros e
lavradores locais.
E, finalmente, havia os pequenos grupos de quilombolas locais e praticavam assaltos a viajantes
e a fazendas. A maior parte constituía-se de agrupamentos de oito a quinze quilombolas, na maioria
homens; não possui acampamentos fixos e suas economias tinham, de maneira geral, um caráter
extrativo e predatório. Atacavam caixeiros-viajantes em beira de estrada para lhes roubar dinheiro,
invadiam fazendas em busca de mantimentos, furtavam criações e gados de propriedades
circunvizinhas. Com o dinheiro e o produtos dos roubos que praticavam podiam manter algumas trocas
e relações mercantis com taberneiros, que lhes forneciam armamentos, munição e aguardente, e
também os avisavam dos movimentos de expedições punitivas. Uma outra característica importante
deste tipo de aquilombamento, era o costume de fazerem constantes ataques e razias a fazendas e
povoados dos locais, praticando, além de saques, vários assassinatos de fazendeiros. Tais práticas
faziam com que esses agrupamentos de quilombolas nem sempre fossem bem vistos pelos escravos
das regiões onde agiam. Muitos escravos temiam que suas mulheres fossem sequestradas ou que os
produtos de suas roças fossem saqueados. Apesar de não possuírem acampamentos fixos, a área de
atuação desses grupos de quilombolas era restrita às localidades para as quais fugiram. As autoridades
viam esses agrupamentos de quilombolas como simples bandos de criminosos.
Ainda que as características desses quilombos fossem diferentes, e podiam coexistir numa
mesma região em dado período e suas ações integrarem. Enquanto os quilombos que constituíam
comunidades camponesas independentes possibilitaram, ao longo do tempo, a gestação de um
campesinato negro – no qual as práticas econômicas próprias dos escravos cada vez mais podiam ser
vinculadas àquelas dos quilombolas - , o aquilombamento caracterizado como protesto reivindicatório
representava as respostas reelaboradas daqueles que permaneceram como cativos. Suas lutas para
manter ou alargar conquistas ou aquilo que consideravam direitos legítimos e/ou costumeiros tinham
significados diversos. Aquilombaram-se para que não fosse vendidos ou transferidos, para que não se
aumentasse o ritmo de trabalho, para que pudessem continuar cultivando suas roças, para que não
recebessem castigos rigorosos e arbitrários, ou então para que fossem considerados livres e
possuidores da terra após a morte dos seus senhores, representavam lutar por transformações em
suas vidas e também nas relações sociais com seus senhores. Também os grupos de quilombolas que
saqueavam propriedades assustavam sobremaneira os fazendeiros. Tais momentos de medos e
apreensões por parte dos senhores podiam significar circunstâncias favoráveis para os escravos
forçarem barganhas, compensações e o reconhecimento definitivo de conquistas.
Podemos destacar ainda em todos esses processos de aquilombamento, como já indicamos, a
luta pelo acesso e controle da terra e pelas margens de autonomia dela proveniente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A experiência de luta e organização dos trabalhadores no Brasil não está marcada tão-somente
pela formalização jurídica decretada pela Abolição. Com o fim da escravidão – como um sistema social
amparado por leis -, o processo de lutas, e também as desigualdades, considerando os trabalhadores,
suas etnais e relações de gênero, não desaparecem, a caracterização e a reprodução das
desigualdades ganham outras dimensões. O escravo vira negro. Como? Não mais havendo a distinção
jurídica entre os trabalhadores, a marca étnica – e histórica – da população negra é reinventada como
fato social. A sociedade brasileira, mais do que permanecer desigual em termos econômicos, sociais e
fundamentalmente raciais a partir de 1888 (portanto, temos que considerar as experiências desde a
colonização), reproduz e aumenta tais desigualdades, marcando homens e mulheres etnicamente. A
questão não foi somente a falta de políticas públicas com relação aos ex-escravos e seus descendentes
no pós-abolição. Houve mesmo políticas públicas no período republicano reforçando a intolerância
contra a população negra: concentração fundiária nas áreas rurais, marginalização e repressão nas
áreas urbanas.
Podemos reconstituir a história dos quilombos no Brasil, articulando – para além do protesto
escravo – as lutas pelo acesso, direito e manuntenção à posse e uso da terra e a gestação de culturas
originais no mundo rural. Nas complexas experiências históricas que envolveram os quilombos,
recuperam-se inúmeras comunidades negras rurais, destacando a base da memória geracional e
comunitária, inclusive o processo de formação/ transformação e até destruição das mesmas. Muitas
dessas comunidades rurais negras nasceram de processos de doações de lotes de terras aos escravos
(apesar de não terem o título das mesmas), outras de movimentos migratórios do pós-abolição, no qual
grupos negros (via de regra organizados por parentesco) procuravam terras devolutas nas franjas das
fronteiras econômicas e de ocupação. Também a articulação de mocambos (e depois das comunidades
que eles remanesceram) com vários outros setores econômicos produziram povoados e vilas – antigas
feiras ou locais de trocas mercantis. Também é importante acompanhar a trajetória de ocupação
fundiária em algumas regiões realizada por negros (não necessariamente libertos do 13 de maio),
posteriormente expulsos por movimentos econômicos e especulativos rurais. Muitos desses
proprietários “negros” podiam não ser necessariamente camponeses e suas atividades rurais estavam
totalmente integradas ao mercado.
No contexto da importância que a questão agrária tem assumido no Brasil é fundamental articulála
com outras questões e movimentos sociais. Trata-se de uma questão nacional, como poucas que
atualmente têm mobilizado o pais e seus vários setores sociais, políticos e econômicos. Torna-se um
questão naional, tem sido um desafio para a questão agrária no brasil a questão étnica, especialmente
as experiências do cativeiro – com os quilombos/ mocambos e formas de protesto de ocupação de terra
– e aquelas “terras de pretos”. Destacamos finalmente a recuperação da história dos quilombos como
importante capítulo das lutas em torno do acesso à terra – face importante da luta pela cidadania – no
Brasil, sua dimensão étnica e as reconstruções culturais relativas.”
Referência
PINSKY, Jaime. Carla Bassanezi Pinski, (orgs). História da cidadania. 3ª ed. São Paulo, Contexto, 2005.
p. 445 a 463.

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